SALMO 1 - A PRIMAZIA DA PALAVRA

1 Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. 2  Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. 3  Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem sucedido. 4 Os ímpios não são assim; são, porém, como a palha que o vento dispersa. 5  Por isso, os perversos não prevalecerão no juízo, nem os pecadores, na congregação dos justos. 6  Pois o SENHOR conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá. Este poema é uma introdução de encaixe ao livro de 150 salmos. Revela o padrão básico da sabedoria e adoração de Israel. A vida é vista não nos momentos isolados do presente, mas na perspectiva da eternidade, na visão de Deus. O autor conecta vida humana intimamente com a vontade e o coração de Deus. O salmo lança um apelo desafiador a Israel – e a to

SALMO 17 – JUÍZO INVESTIGATIVO

Alguma vez você já pediu a Deus que Ele o julgasse? A maioria das pessoas vai responder que não, porque a maioria de nós considera terrível o julgamento de Deus sobre os nossos atos, palavras e até pensamentos. Mas Davi orou ao Senhor para que Ele o julgasse até mesmo em seus mais íntimos sentimentos. Quem de nós faria isso?

O salmo vem de um possível contexto quando Davi estava sendo perseguido pelo ímpio rei Saul no deserto de Maon. Davi foi traído pelos zifeus que indicaram a Saul o seu paradeiro, e logo Davi e os seus companheiros se viram cercados por Saul e seus homens, com perigo de vida. Então, Saul foi notificado que os filisteus estavam invadindo a sua terra, e esse rei foi atrás deles, desistindo de perseguir a Davi. E aquele lugar foi chamado de Pedra de Escape. (1Sm 23:19, 25-28). Muitas vezes somos protegidos por certas circunstâncias e nem consideramos que foi por providência divina.

Davi estava em grande perigo e pressão pela malícia de seus inimigos, e clama neste salmo dirigindo-se a Deus e é justamente isso o que devemos fazer em situações semelhantes. Temos muitos inimigos como Davi e temos muitas pressões e enfrentamos muitos perigos em nossa vida moderna; mas também como ele temos o mesmo Deus que age tão prontamente como agia no passado, e pode nos valer a qualquer momento.

O conteúdo da oração é duplo:
(1) Oração por Vindicação: “Baixe de Tua presença o Julgamento a meu respeito” (v. 2a).
(2) Oração por Investigação: “Os Teus olhos vêem com equidade”. (v. 2b).
Estas petições são subsequentemente desenvolvidas através do salmo em sequência quiástica, ou seja, o salmo possui ideias contrastantes que repentinamente invertem a direção. Portanto, o esboço do Salmo 17 fica dessa maneira:

A. Oração por Vindicação (v. 2a)
     B. Oração por Investigação (2b)
     B'.  Investigação (vs. 3-5)
A'. Vindicação (vs. 6-15).

Uma outra maneira de ver o Salmo 17 é observando os 3 apelos apresentados nesta ordem:
I –   Um Apelo por Justiça (1-5)
II –  Um Apelo por Misericórdia (6-12)
III – Um Apelo por Livramento (13-15)

I - Um Apelo por Justiça (vs. 1-5)

Davi apela para que Deus manifeste a Sua justiça. “Ouve, Senhor, a causa justa, atende ao meu clamor, dá ouvidos à minha oração, que procede de lábios não fraudulentos.” (v. 1) O salmista ora em primeiro lugar para que Deus ouça, atenda e dê ouvidos à sua história, a qual ele apresenta, com lábios livres de mentiras. Ele clama a Deus para que atenda à “causa justa”. A palavra original é “tsedeq”, que significa justiça. Ele está dizendo: “Ouve, Senhor, na justiça.” A frase poderia ser traduzida como “Ouve, Senhor de justiça.” A mesma palavra aparece no último verso, de modo que o salmo começa e termina com “justiça”. A ideia é que Deus o ouça, na Sua justiça, a sua causa que também é justa. Seu clamor é no sentido de receber sentença justa dAquele que sabe da sua inocência. Ele clama por vindicação e defesa.

E Davi está tão certo de que a sua causa é justa que ele chega a clamar para que Deus o julgue: “Baixe de Tua presença o julgamento a meu respeito” (v. 2). Isto não é comum; as pessoas em geral temem ser julgadas por Deus porque imaginam que o Seu julgamento seja terrível porque fatal. Ninguém quer enfrentar o Juízo divino. Alguns até ensinam que não haverá julgamento para os justos, de tão “terrível” que deve ser o Julgamento de Deus. Mas eles prometem como uma consolação que nenhum cristão passará pelo Juízo divino. Nenhuma investigação haverá para os justos.

Haveria algum fundamento bíblico para tal ensino? Eu tenho um vizinho que disse que existem muitas religiões porque há muitas traduções da Bíblia que favorecem diferentes interpretações. Eu lhe respondi que as traduções são diferentes, mas conservam a verdade do original. Entretanto, há um pouco de verdade no que disse o vizinho. Na tradução Atualizada de João 3:18, lemos estas palavras de Cristo: “Quem nEle crê não é julgado.” “E então?”, disse um crente para outro, “Aqui diz que o cristão não será julgado!” Entretanto, o crente adventista, leu na sua versão mais antiga e disse: “Mas a minha Bíblia diz que ‘quem crê nEle não é condenado’ e isso é outra coisa. Condenação é o resultado de um juízo realizado, é a própria sentença dada. Os cristãos serão julgados, mas não condenados. Sua sentença será a absolvição.”

De fato, esse problema de traduções existe, mas nós podemos aprender a pesquisar e comparar em outras versões quando estamos em dúvida com respeito a algum ponto da verdade. Veja como os tradutores da versão Atualizada vertem João 5:24: “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.” Certamente, esses tradutores não crêem na doutrina bíblica do Juízo Investigativo, e então, trocaram a palavra “condenado” como está na versão antiga, por “juízo”, mudando o significado. A palavra grega (krino) admite a ambas traduções, mas o contexto deve indicar a tradução correta, que é a antiga: “quem ouve a minha palavra... não entrará em condenação.”

E esta é a verdade, confirmada em muitos lugares. Disse Paulo: “Importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo.” (1Co. 5:10). De fato, o Juízo será uma realidade tanto para crentes como para incrédulos, bons e maus, justos e injustos.

Entretanto, ainda assim, muitos dirão que é duro ser julgado por Deus, porque o Seu Julgamento será temível e terrível e ninguém em sã consciência pediria tal coisa. Mas então, por que Davi pede que Deus o julgue? Por que Davi insiste em ser logo julgado pelo grande Juiz de todo o universo? Ele responde por quê: “os Teus olhos vêem com equidade.” (v.2) Com efeito, Davi quer ser julgado por Deus porque sabe que o Seu olhar onisciente vê a tudo com “equidade”. Isto significa justiça e imparcialidade. Se Deus é justo e sempre age com justiça, então, o Seu Julgamento não é terrível. Terrível é o julgamento dos homens, e é a esse que devemos temer, por ser injusto e parcial.

Mas Davi continua dizendo: “Sondas-me o coração, de noite me visitas”. Esta é uma declaração de Davi a respeito de uma investigação do seu caso, de que Deus o sonda, examina o seu coração. Este é um juízo de investigação, um exemplo do que acontece no grande Juízo Investigativo, que se desenvolve nos últimos dias da história deste mundo. Deus sonda o seu coração, esquadrinha a sua alma, faz uma investigação do seu caso, a fim de poder sentenciar a sua culpa ou inocência. De fato, todo juízo tem 3 fases: (1) Investigação, (2) Sentença e (3) Execução. Davi declara que Deus investiga o seu caso, examina as suas ações, perscruta a sua alma.

Antes da vinda de Cristo, haverá um Juízo de Investigação. Todos os casos de pessoas que aceitaram a fé e fizeram profissão de seguir ao Salvador passam em revista. Na augusta presença de Deus nossa vida deve passar por exame. O grande Juiz de toda a Terra perscruta a vida de cada crente, esquadrinha cada coração. E cada um deve por sua vez fazer um profundo exame da sua vida, a fim de se preparar para esse solene tempo de Juízo Investigativo que agora ocorre no Céu, desde 1844. É tempo de profundo arrependimento de cada pecado, é tempo de santificação, é tempo de empregar sabiamente cada talento e de viver com o coração puro diante de Deus e dos homens. É tempo de sermos revestidos da justiça de Cristo, e de nada dispor para a carne no tocante às suas concupiscências. (Rm 13:14).

Cristo ilustrou muito bem esta cena de investigação através de uma parábola, em que um rei festejava as bodas de seu filho e deu um grande banquete, chamando aos que aceitassem o seu convite dentre todos os tipos de pessoas. Mas havia uma condição: todos os participantes deveriam aceitar as vestes nupciais, e vesti-las durante a festa. Então, durante a cerimônia, o rei foi ver os convidados, foi fazer uma investigação de como os convidados estavam se portando e notou alguém que não tinha as vestes. Imediatamente, ele se dirigiu a esse homem que representa a classe de pessoas que desejam participar das bênçãos do evangelho, mas não aceita as vestes da justiça de Cristo em sua vida: “Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? E ele emudeceu. Então, ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes.” (Mt 22:12-13).

Mas o salmista Davi continua, dizendo: “Provas-me no fogo e iniquidade nenhuma encontras em mim; a minha boca não transgride.” (v. 3). Alguém com certa razão diria: “Como pode Davi dizer tais palavras? Como poderia o Juiz eterno e onisciente não encontrar faltas e pecados em Davi?” Eu conheço outras palavras que procedem do humilde coração de Davi: “Não têm conta os males que me cercam; as minhas iniquidades me alcançaram, tantas, que me impedem a vista; são mais numerosas que os cabelos de minha cabeça, e o coração me desfalece.” (Sl 40:12). Na primeira passagem, Davi diz que Deus não encontra pecado em sua vida; na segunda, ele diz que os seus pecados são incontáveis.

Como podemos harmonizar esta aparente contradição? As palavras do salmo que estudamos (17:3) estão corretas no contexto em que Davi estava vivendo naquela época, e apenas em relação às coisas de que os ímpios o acusavam. Saul e seus oficiais diziam que Davi estava se preparando para usurpar o trono do rei; que ele desejava matá-lo, que a sua ambição era ser rei de Israel, e logo que conseguisse esse objetivo, ele destruiria a todos os parentes do rei Saul. Tudo isso era falso. Davi não precisava se esforçar para ser o rei de Israel; Deus mesmo o ungiu, e o protegeu para que isso se cumprisse. Davi não falava com justiça própria; ele era inocente mesmo das coisas de que Saul o acusava.

Davi era sincero e estava consciente de sua própria inocência. Ele não era hipócrita. A sinceridade não teme nenhum escrutínio, não, nem mesmo o de Deus, de acordo com o concerto da graça. A onisciência de Deus é tanto a alegria do justo, como o terror dos hipócritas e é particularmente confortável para aqueles que são acusados falsamente.

Mas há outra aplicação para as palavras de Davi: ele falava profeticamente pelo Messias. Muitas vezes a Bíblia retrata a Davi falando pelo Messias, porque Davi era um tipo de Cristo. Os Salmos contém muitas mensagens cristocêntricas e messiânicas. Os livros proféticos têm muito a falar dEle, mas em Ezequiel, o Messias é chamado de Davi (Ez 34:23-24; 37:24-25). De fato, Cristo foi o Único que em sentido absoluto poderia dizer estas palavras do Salmo 17:3: “Sondas-me o coração, de noite me visitas, provas-me no fogo e iniqüidade nenhuma encontras em mim; a minha boca não transgride.”

Deus poderia sondar o coração de Cristo de dia e de noite, prová-lO no fogo da aflição e da tentação e nenhuma iniquidade, nenhum pecado encontraria nAquele que é a pureza por excelência. Disse Cristo certa vez aos líderes da nação judaica: “Quem dentre vós Me convence de pecado?” (Jo 8:46). De Satanás Ele pôde dizer: “Aí vem o príncipe do mundo, e ele nada tem em mim.” (Jo 14:30). Ainda testifica o apóstolo Paulo: “Com efeito, nos convinha um Sumo Sacerdote como Este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus.” (Hb 7:26).

Mas Davi em sua experiência de profunda sinceridade e como um homem segundo o coração de Deus pôde nos ensinar como alcançar um relacionamento feliz e bem-aventurado: “pela Palavra dos Teus lábios, eu tenho me guardado dos caminhos do violento.” (v. 4). Mais tarde, ele confirma estas mesmas palavras em tom de admoestação aquilo que vivia na experiência: “De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a Tua Palavra.” A seguir, ele declara mais uma vez a sua experiência: “Guardo no coração as Tuas Palavras, para não pecar contra ti.” (Sl 119: 9,11). Ou seja, aquilo que eu aconselho é aquilo que eu faço. Faça o que eu digo, porque é isto o que eu faço.

Hoje vemos muitos cristãos vivendo uma vida de derrotismo, citando o capítulo 7 da epístola de Paulo aos Romanos, e dizendo: “É isso mesmo; eu sou como Paulo: o que eu não quero, isso faço. Eu não quero pecar, mas eu acabo pecando; eu nasci assim, e assim eu continuo. Ninguém pode se libertar de sua natureza pecaminosa! Nós somos assim mesmo!” Entretanto, isso é interpretar mal o ensino de Paulo que em Rm 7 não está descrevendo a experiência de um cristão, mas de um legalista tentando se salvar com os seus próprios esforços, tentando guardar a lei sem Cristo. Mas Cristo disse: “Sem Mim, nada podeis fazer.” (Jo 15:5).

Se você quer saber como é um cristão, deve ler em Rm 8. Se quer saber como foi a vida de Paulo, então, leia o livro de Atos e o testemunho de Cristo sobre ele em Atos 9:15-16. Pode também ler o testemunho do Diabo sobre o mesmo Paulo em Atos 19:15: “Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois?”

Disse mais Davi ao falar de sua experiência com Deus: “Os meus passos se afizeram às tuas veredas, os meus pés não resvalaram.” (v. 5). Davi estava dizendo: “Senhor, ouve a minha causa pois é justa; eu sou inocente de todas as coisas de que me acusam os meus inimigos!” Ele apelava para que Deus o julgasse segundo a justiça que ele praticara em pensamentos, palavras e atos com referência aqueles homens que o acusavam de coisas que nem mesmo lhe passaram pelo pensamento, pois andava em sinceridade diante de Deus e dos homens.

De igual maneira, Paulo se defendia diante dos judeus que o acusavam e o apedrejaram e o açoitaram pelo poder romano, e ainda assim pôde dizer: “Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial.” (Atos 26:19). E disse também aos cristãos coríntios no decurso de sua vida: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo.” (1Co 11:1).

As palavras do salmista no v. 5 declarando a sua fidelidade e integridade, podem ser lidas como uma prece: “Senhor, dirige os meus passos nos Teus caminhos, para que as minhas pegadas não vacilem.” (Versão Corrigida). É perigoso permitir que uma característica infiel viva no coração. Um pecado acariciado pouco a pouco aviltará o caráter, levando todas as suas faculdades mais nobres em sujeição ao desejo maligno. A remoção de uma única salvaguarda da consciência, a condescendência com um mau hábito sequer, o descuido das elevadas exigências do dever, derribam as defesas da alma, e abrem o caminho para entrar Satanás e transviar-nos. O único meio seguro é fazer nossas orações subirem diariamente, de um coração sincero, e piedoso, deste modo: “Senhor, dirige os meus passos nos Teus caminhos, para que as minhas pegadas não vacilem.”

II - Um Apelo por Misericórdia (vs. 6-12)

Davi continua invocando a Deus porque tem certeza de que Deus há de ouvir as suas súplicas. Em sua angústia, ele clama: “Inclina-me os ouvidos e acode às minhas palavras.” (v. 6). A linguagem do salmista demonstra que ele não confiava em sua justiça própria, mas na vindicação e justiça de Deus, embora estivesse consciente de sua completa inocência das acusações dos perversos dentre os líderes de Israel que o perseguiam.

Davi apela para que Deus mostre a Sua misericórdia. Ele disse no v. 7: “Mostra as maravilhas da tua bondade, ó Salvador...” A misericórdia divina se manifesta em Sua bondade. Mas essa bondade tem múltiplas maravilhas. A primeira e grande maravilha da bondade e misericórdia de Deus é que Ele é Salvador. Não podemos senão enaltecer a maravilha de termos um Salvador quando estávamos completamente perdidos, condenados, sem nenhuma perspectiva de salvação, inteiramente entregues aos nossos inimigos, homens e demônios.

A segunda maravilha da bondade divina, mencionada no salmo, é que Deus nos considera como tendo um valor imenso: somos como a “menina dos olhos” de Deus (v. 8). Muitos têm uma auto-estima muito baixa de si mesmos por algumas razões. Mas Deus nos considera como possuindo um valor incalculável: o nosso valor é tão grande que Ele foi capaz de dar o Seu único Filho para morrer em nosso lugar, pagando o preço de nossa redenção na Cruz, um preço infinito que só a eternidade revelará ao universo. Assim, somos guardados de dia e de noite por Aquele que não dorme, mas revela o Seu cuidado paternal.

A outra maravilha da bondade de Deus é revelada na oração de Davi que ele continua apresentando: “Esconde-me à sombra das Tuas asas” (v. 8). Podemos lembrar as palavras de Cristo quando estava contemplando a Jerusalém do monte e chorando por ela: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt 23:37).

Muitas vezes condenamos aos judeus por seu desprezo do Senhor Jesus Cristo, que manifestava as maravilhas de Sua bondade em inúmeros exemplos, e por fim, desejava recolhê-los sob as Suas asas, em uma profunda manifestação de amor. Mas nós também somos ingratos em muitas ocasiões. Entretanto, assim se revela a Sua misericórdia, e a Sua bondade nos esconde debaixo de Seu cuidado e proteção, e ainda nos defende das acusações de Satanás.

Mas embora Deus seja misericordioso e manifeste constantemente a Sua bondade, os homens são maus, ímpios e rebeldes. Davi dá uma descrição do caráter dos seus perseguidores: eles eram perversos, opressores, inimigos que o assediavam de morte. Ele fala desses homens nestes termos: “Insensíveis, cerram o coração, falam com lábios insolentes; andam agora cercando os nossos passos e fixam em nós os olhos para nos deitar por terra.” (v. 9-11). Não estamos falando só de história passada, porque estas coisas se repetem em nosso tempo, e se multiplicam nestes últimos dias da história deste mundo tenebroso.

“1 Nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis,
2 pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes,
3 desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem,
4 traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus,
5 tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder.” (2Tm 3:1-5).

Muitas dessas palavras poderiam se aplicar a Jean Jacques Rousseau. Quando jovem ele viveu na cidade de Turim, na casa de uma mulher de Verecelli. Em suas confissões ele escreveu: "Desta casa levo comigo um terrível fardo de culpa que depois de 40 anos ainda está indelével em minha consciência, e quanto mais velho fico, mais pesado é o fardo de minha alma''.

Ele havia roubado um objeto de valor da dona da casa. Posteriormente, quando a perda foi descoberta, lançou a culpa sobre a servente da casa, que como resultado perdeu o ganha pão e a dignidade. Ele continua: "Acusei-a como ladra, lançando assim uma jovem honesta e nobre na vergonha e na miséria. Ela me disse então: 'O senhor lançou a desgraça sobre mim, mas eu não desejo estar no seu lugar.' A lembrança frequente disto dá-me noites de insônia, como se fosse ontem que tal fato aconteceu. É certo que algumas vezes minha consciência esteve adormecida, mas agora ela me atormenta como nunca dantes. Este fardo está mais pesado agora sobre o meu coração; sua lembrança não morre. Tenho que fazer uma confissão."

Muitas pessoas lançam acusações injustas e mentirosas contra outros, estão arruinando a vida de outros, perseguindo, acusando falsamente, inventando mentiras, exagerando circunstâncias, e sendo intolerantes. Eles não medem as trágicas consequências tanto para os culpados quanto para os inocentes. Essas pobres vítimas em sua angústia podem clamar ao Deus de Davi e suplicar pela vindicação de sua causa. E como resultado, os seus opressores podem vir a sofrer sob a ira de Deus que não abandona os seus filhos oprimidos porque alguém tocou na “menina dos Seus olhos”.

Porém, atrás de tudo isso se encontra um inimigo mais terrível, sobre o qual poucos se preocupam. Davi comparou os seus inimigos aos leões: “Parecem-se com o leão, ávido por sua presa, ou o leãozinho, que espreita de emboscada.” (V. 12). Disse o apóstolo Pedro: “Sede sóbrios e vigilantes. O Diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.” (1Pe 5:8-9). Não admira que o salmista apelasse à misericórdia e bondade de Deus! Somente por Sua bondade somos guardados e protegidos, e o maligno, que tão prontamente deseja nos destruir, fugirá desconcertado e vencido.

III - Um Apelo por Livramento (vs. 13-15)

Davi apela para que Deus execute a Sua justiça, livrando a sua alma ameaçada pelos mais ferozes inimigos:

“13 Levanta-te, Senhor, defronta-os, arrasa-os; livra do ímpio a minha alma com a tua espada,
14 com a tua mão, Senhor, dos homens mundanos, cujo quinhão é desta vida e cujo ventre tu enches dos teus tesouros.” (vs. 13-14)

Muitos cristãos ficam perplexos diante de tais palavras de imprecação e maldição contra os ímpios. Não podem compreender: “Como pode Davi orar para que Deus arrase e destrua a esses homens? Não sabia que era o seu dever amar os seus inimigos?” Há uns 10 salmos imprecatórios, salmos que invocam a maldição de Deus contra os inimigos do salmista. Entretanto, Davi estava promovendo a glória de Deus ao buscar a sua libertação e a de seu povo Israel. O governo desses ímpios oprimia a esse povo, e perseguia ao futuro rei Davi. Portanto, ele pede a libertação de Jeová, a Sua pronta ação defrontando e destruindo a esses  perseguidores, cujos pecados e impiedades já ultrapassavam os limites da paciência humana. Portanto, esta oração era da vontade de Deus e foi inspirada por Ele.

E ademais, como eram esses homens? Davi já havia definido o caráter deles como perversos, opressores, inimigos de morte (v. 9-11). Agora, ele acrescenta a base de sua impiedade, dizendo que eram “homens mundanos, cujo quinhão é desta vida, e cujo ventre” está cheio dos tesouros de Deus (v. 14). Isso nos remete às palavras do apóstolo Paulo, que disse: “Observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós. Pois muitos andam entre nós, dos quais, repetidas vezes, eu vos dizia e, agora, vos digo, até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas.” (Fl 3:17-19).

Aqui temos a definição do que significa ser ímpio: Ímpio é aquele que só se preocupa com as coisas deste mundo, com as comidas e bebidas do mundo, com as modas do mundo e com as glórias do mundo. Não admira que “o destino deles é a perdição.” “São inimigos da cruz de Cristo” e só se satisfazem com as coisas mundanas. Esta era a tendência de Sodoma: “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma - soberba, fartura de pão e próspera tranquilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado.” (Ez 16:49). Eles só se satisfaziam com as coisas mundanas.

Entretanto, o salmista Davi se satisfazia com algo muito mais nobre, e assim também todos os cristãos: “Eu, porém, na justiça, contemplarei a Tua face; quando acordar, eu me satisfarei com a Tua semelhança.” (v. 15). O que significa a expressão “na justiça”? Davi confia em Deus e na Sua justiça. Portanto, é baseado “na justiça” de Deus que ele tem a convicção de contemplar a Sua face. Não podemos ser baseados em nossa justiça própria; nossa única esperança é a justiça de Cristo, segundo a qual nós O veremos em glória e majestade, depois de ver a Sua libertação de todos os nossos inimigos. Então, contemplaremos a Sua face, como a face do nosso Deus eterno.

Mas, quando será isso? Disse Davi: “Quando acordar, eu me satisfarei com a Tua semelhança.” (v. 15). Para Davi essa esperança estava muito mais distante do que para nós. Mas, se ele fala de acordar de seu “sono da morte” (Sl 13:3), ele fala da ressurreição que acontecerá na segunda vinda de nosso Salvador Jesus Cristo. Qual era a esperança de Davi nesse tempo? Disse ele: “Eu me satisfarei com a Tua semelhança.” Enquanto os seus inimigos se satisfaziam com as coisas mundanas, Davi se satisfazia na contemplação do Senhor eterno.

O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e só pode se satisfazer na contemplação do seu Criador. Mas o pecado deslustrou esse brilho de glória. Então, veio o nosso Salvador para nos redimir e nos resgatar, derramando o Seu sangue na Cruz do Calvário, a fim de que novamente tivéssemos a Sua semelhança, e nos satisfizéssemos com a glória de Deus nEle e em nós refletida.

“Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro.” (1Jo 3:2-3).

Pr. Roberto Biagini
Mestrado em Teologia
prbiagini@gmail.com

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